Percebi
que estava sendo observado. Ele estava lá, junto aos candelabros-de-ouro que
ornamentavam o ambiente. Indiferente ao burburinho, à brusca rapidez nas
passadas dos garçons e clientes. Parecia confuso, no entanto, concentrado.
Espiava-me de forma natural, sutilmente. Já havia perdido o foco na leitura,
sentindo-me intimidado, mudei de cadeira. Ele não hesitou e fez o mesmo,
acompanhou minha atitude e mudou de lugar. Desta vez introduziu-se entre os
camarões vermelhos. Não sabia o que queria comigo, nem poderia falar com ele,
com certeza o assustaria.
Havia
seis janelas laterais que se estendiam do piso ao teto. Eram intercaladas por
paredes de eucalipto, aliás, todo o Cottage Café fora construído com madeira de
eucalipto, o ambiente era rústico; porém aconchegante, alegre. As janelas eram
voltadas para um jardim repleto de brincos-de-princesa,camarões-vermelhos, candelabros-de-ouro.
Apesar de todas essas flores atraírem o pequeno colibri azul, ele se recusava a
namorá-las, negava-lhes seus doces beijos. Preferia observar-me, esquecia-se de
extrair o doce néctar de suas amadas.
Pedi a moça mais um
cappuccino. Tentei continuar a leitura. Foi inútil. Seus minúsculos olhos
fitavam-me incansavelmente, intimavam-me a contemplar sua beleza. Era
admirável. Sua estrutura era dotada de uma harmonia singular, seus tons de azul
fariam inveja a mais bela turmalina. Fiquei surpreso ao constatar que ele se
aproximava da janela em frente à minha mesa. Em um rápido compasso bailava no
ar, de um lado a outro da janela parecia pedir-me para entrar. Fiquei um bom
tempo observando-o e pensando no que eu faria. Não resisti, mesmo com receio,
empurrei a janela deixando-a entreaberta.Sentei novamente.
Durante alguns
instantes titubeou, mas logo entendeu meu gesto. Entrou, sobrevoou minha mesa e
pousou nela. Olhou-me mais ainda, encarou-me de tal forma que parecia querer
extrair de mim uma confissão, fazer-me revelar algum segredo. Seus negros e
pequeninos olhos estavam estáticos. Fiquei extasiado ao vê-lo de perto. Aquela
perfeita criatura era mais que um simples animal, tinha personalidade. Não
parávamos de nos olhar um nos olhos do outro. Foi um momento único. Parados,
admirávamos a vida refletida nos olhares que se cruzavam. A liberdade, a
naturalidade, a simplicidade, a leveza, a singularidade, a ânsia pela vida,
expressos no olhar do colibri. Em contrapartida, a vida que mais parece uma
prisão, a pluralidade existencialista, a monotonia, as aparências, o fétido
orgulho do meu ser, o tempo que castiga a existência inerte, características de
uma vida marcadas em meu olhar.
Após me fazer ver
isso, me deixou. Bateu suas graciosas asas, abandonou-me. Naquela noite vi mais
que um lindo colibri. Vi a vida como deveria ser, vi a vida simples, natural,
que esqueci de viver. Vi a mim mesmo nos olhos do colibri, uma imagem
deturpada, corroída, construída pelo tempo, pela sociedade, pela selvageria
racional dos homens. Levantei, cancelei o café, paguei a conta. Retirei-me do
ambiente que acabara de me proporcionar uma magnífica experiência. Lá fora vi
pela última vez o colibri azul. Acenei, agradeci. Fomos embora.
Ismael Fernandes
7 comentários:
Muito bom! =)
¡Me gusta!
Parabéns, Ismael!!!
:D
Muito bom ! Parabéns, amor
Cara! Na maior... Você escreve demais.
Ótimo texto, gostei muito de como foi escrito, das palavras que foram usadas. Você conseguiu tornar um encontro com um pequeno colibri, em um conto muito interessante...
Sério vei! Queria muito ter essa capacidade de escrever que você tem^^
Parabéns^^
Kra curti bastante essa sua crônica,vc tem muito talento espero ler futuramente mais textos seu.
Abraço!!!
Linda Crônica!!!!
Sensível...assim defino.
Um texto que aguça os sentidos e sentimentos, faz pensar a vida simples como deve ser. Vindo de um autor tão carismático então, melhorou muito. As palavras que li formavam, cada uma ao seu tempo, uma harmonia de carinho, mistério, cändura...a ternura de um pássaro e a curiosidade de seu mentor.
Forte abraço e sucesso em suas venturas.
OrlandodaSilva
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