sábado, 2 de junho de 2012

Colibri no Cottage


Percebi que estava sendo observado. Ele estava lá, junto aos candelabros-de-ouro que ornamentavam o ambiente. Indiferente ao burburinho, à brusca rapidez nas passadas dos garçons e clientes. Parecia confuso, no entanto, concentrado. Espiava-me de forma natural, sutilmente. Já havia perdido o foco na leitura, sentindo-me intimidado, mudei de cadeira. Ele não hesitou e fez o mesmo, acompanhou minha atitude e mudou de lugar. Desta vez introduziu-se entre os camarões vermelhos. Não sabia o que queria comigo, nem poderia falar com ele, com certeza o assustaria.

Havia seis janelas laterais que se estendiam do piso ao teto. Eram intercaladas por paredes de eucalipto, aliás, todo o Cottage Café fora construído com madeira de eucalipto, o ambiente era rústico; porém aconchegante, alegre. As janelas eram voltadas para um jardim repleto de brincos-de-princesa,camarões-vermelhos, candelabros-de-ouro. Apesar de todas essas flores atraírem o pequeno colibri azul, ele se recusava a namorá-las, negava-lhes seus doces beijos. Preferia observar-me, esquecia-se de extrair o doce néctar de suas amadas.

Pedi a moça mais um cappuccino. Tentei continuar a leitura. Foi inútil. Seus minúsculos olhos fitavam-me incansavelmente, intimavam-me a contemplar sua beleza. Era admirável. Sua estrutura era dotada de uma harmonia singular, seus tons de azul fariam inveja a mais bela turmalina. Fiquei surpreso ao constatar que ele se aproximava da janela em frente à minha mesa. Em um rápido compasso bailava no ar, de um lado a outro da janela parecia pedir-me para entrar. Fiquei um bom tempo observando-o e pensando no que eu faria. Não resisti, mesmo com receio, empurrei a janela deixando-a entreaberta.Sentei novamente.

Durante alguns instantes titubeou, mas logo entendeu meu gesto. Entrou, sobrevoou minha mesa e pousou nela. Olhou-me mais ainda, encarou-me de tal forma que parecia querer extrair de mim uma confissão, fazer-me revelar algum segredo. Seus negros e pequeninos olhos estavam estáticos. Fiquei extasiado ao vê-lo de perto. Aquela perfeita criatura era mais que um simples animal, tinha personalidade. Não parávamos de nos olhar um nos olhos do outro. Foi um momento único. Parados, admirávamos a vida refletida nos olhares que se cruzavam. A liberdade, a naturalidade, a simplicidade, a leveza, a singularidade, a ânsia pela vida, expressos no olhar do colibri. Em contrapartida, a vida que mais parece uma prisão, a pluralidade existencialista, a monotonia, as aparências, o fétido orgulho do meu ser, o tempo que castiga a existência inerte, características de uma vida marcadas em meu olhar.

Após me fazer ver isso, me deixou. Bateu suas graciosas asas, abandonou-me. Naquela noite vi mais que um lindo colibri. Vi a vida como deveria ser, vi a vida simples, natural, que esqueci de viver. Vi a mim mesmo nos olhos do colibri, uma imagem deturpada, corroída, construída pelo tempo, pela sociedade, pela selvageria racional dos homens. Levantei, cancelei o café, paguei a conta. Retirei-me do ambiente que acabara de me proporcionar uma magnífica experiência. Lá fora vi pela última vez o colibri azul. Acenei, agradeci. Fomos embora.

Ismael Fernandes

7 comentários:

Chá das Qu4tro disse...

Muito bom! =)

Sueliton Oliveira disse...

¡Me gusta!

Parabéns, Ismael!!!

:D

ThawaneeS & HydionaraS disse...

Muito bom ! Parabéns, amor

Eriglauber Oliveira disse...

Cara! Na maior... Você escreve demais.
Ótimo texto, gostei muito de como foi escrito, das palavras que foram usadas. Você conseguiu tornar um encontro com um pequeno colibri, em um conto muito interessante...
Sério vei! Queria muito ter essa capacidade de escrever que você tem^^
Parabéns^^

Ferreira disse...

Kra curti bastante essa sua crônica,vc tem muito talento espero ler futuramente mais textos seu.

Abraço!!!

Blog do Siéllysson disse...

Linda Crônica!!!!

eduardo disse...

Sensível...assim defino.
Um texto que aguça os sentidos e sentimentos, faz pensar a vida simples como deve ser. Vindo de um autor tão carismático então, melhorou muito. As palavras que li formavam, cada uma ao seu tempo, uma harmonia de carinho, mistério, cändura...a ternura de um pássaro e a curiosidade de seu mentor.
Forte abraço e sucesso em suas venturas.
OrlandodaSilva

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