domingo, 30 de outubro de 2011

Cantilena: Conto único


Aviso previamente, ao caro leitor, que este não é um texto de glorificação ao poeta, professor e amigo, Sérgio de Castro Pinto, por mais que o título assim negue, mas, revelo todas as inquietações e sensações que o seu texto causou-me ao ponto de, desta vez, divulgar aos poucos interessados a grandeza deste conto único. Primeiro, porque foi precisamente o “único” conto que deveras o autor escreveu ou pelo menos que publicou, em seu leque mais que repleto de poemas, e em segundo, “único” por todas as razões a seguir.
Por mais que a proposta de um livro romântico seja aquele “final feliz”, Cantilena expressa bem mais que isto, algo inesperado pelos ideais tão fortes e precisos de um personagem que quer por a bunda numa motocicleta e sair por aí, refletir sua imagem no Sena, mas ao mesmo tempo vê-se atado num espelho oval “descascado como um ovo” de promessas feitas.
Dá-se início a história, uma carta, e com ela o gosto dos caramelos preparados pela personagem que o remetente se deliciava antigamente, revelando o cuidado do autor com a escolha das palavras, criando imagens, muitas vezes próximas de nós, metáforas e dizeres de um tempo que passou. O personagem, sem nome como tantos outros, descreve as cenas de um futuro incerto, porém, bastante previsível das condições domésticas. Entretanto, destino que, consequentemente, aniquilaria seus sonhos. Vejamos uma destas belas imagens:

“Iria ao banheiro, abriria as torneiras, e delas viriam as águas do Sena, do porto, tudo acontecendo num ouriçado pacifismo domiciliar [...]”

As únicas lamentações em desfazer aquele noivado foi pelas tias da remetente que preparavam e agora destrinchavam o enxoval, na inquietude de explicar aos vizinhos e contar a família. O escritor descreve-as como “Penélopes ao inverso” e os fios desfeitos eram as linhas que o libertava.
No fim das contas, a mesma força que move as vontades do personagem talvez fosse nada mais que o desejo do autor em saborear, novamente, aqueles deliciosos caramelos: “quatro de limão, dois de caju, dois de uísque, um recheada de passas e outro de ameixa.” Mas, as águas do Sena ficaram tão distantes que hoje tal como Lampião, usa óculos.
O conto é maravilhoso, a história é inquietante, entretanto, deixarei com o leitor a tarefa de significá-lo, pois como diz Lúcia em Lucíola, romance de José de Alencar: “Lê-se não por hábito e distração, mas pela influência de uma simpatia moral que nos faz procurar um confidente de nossos sentimentos, até nas páginas mudas de um escritor...”